O <i>roaming</i> e os frangos de aviário
Estamos a menos de um ano das próximas eleições para o Parlamento Europeu. Na semana passada, o Governo português organizou em Lisboa um seminário sobre o «reforço da participação democrática nas eleições europeias». Perfeito nariz-de-cera em período pré-eleitoral, iniciativas deste tipo suceder-se-ão certamente ao longo dos próximos meses. Em Portugal e não só. Entre os temas em debate estava «o impacto das políticas da UE na vida quotidiana dos cidadãos».
Há quatro anos, antes das últimas eleições europeias, uma campanha de propaganda difundida massivamente à escala europeia pretendia, supostamente, abordar este impacto e, fazendo-o, incentivar ao voto nas eleições. Do roaming dos telemóveis aos rótulos dos frangos de aviário, o cidadão-eleitor(-consumidor) era confrontado com exemplos de como as políticas da UE influenciavam positivamente a sua vida quotidiana.
O resultado foi o que se conhece: os cidadãos – cuja opinião é olimpicamente ignorada ou mesmo afrontada na hora de decidir o que realmente interessa, como a aprovação de tratados – viraram costas às eleições.
Não sabemos de que se lembrarão desta vez os criativos encarregados de campanha com idênticos objectivos. Mas certo é, desta feita, que será bem mais claro para a generalidade dos cidadãos qual o verdadeiro impacto das políticas da UE nas suas vidas. E certo é que a percepção desse impacto andará longe dos frangos de aviário e do roaming dos telemóveis.
Já lá vai o tempo em que os «fundos comunitários» eram, em Portugal, a face mais visível da UE. A verdade é que vai sendo cada vez mais difícil dourar a pílula. Hoje, a verdadeira face da UE, plasmada nos chamados programas de ajustamento e nas ditas reformas estruturais, é bem mais visível para muita gente.
Bem a propósito, «Desemprego, precariedade e pobreza: a face real da União Europeia» foi o tema da iniciativa co-organizada, também na semana passada, em Guimarães, pelo PCP e pelo Grupo da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica do Parlamento Europeu. Contando com a presença de convidados de Espanha, da Grécia e da Irlanda, ali se desfiaram números que ajudam a compor um retrato do «impacto das políticas da UE na vida quotidiana dos cidadãos».
Segundo dados do Eurostat – o gabinete de estatísticas da UE –, são mais de 26 milhões e meio os homens e mulheres desempregados na UE, dos quais mais de 19 milhões na zona euro. Em termos médios, a taxa de desemprego supera os 12 por cento na zona euro e atinge os 11 por cento na UE.
(Um parêntesis: numa reunião do Fórum dos Socialistas Europeus, há duas semanas em Paris, António José Seguro desafiava os seus pares a fixarem como objectivo para 2020 atingir um desemprego máximo de... precisamente 11 por cento! Ou seja, o mesmíssimo valor médio que existe actualmente! Eis a ambição da social-democracia europeia e nacional! Seriam estes os resultados daquilo a que chamam «austeridade inteligente»...)
Estes valores médios de desemprego escondem variações que vão dos cinco por cento de desemprego na Alemanha aos 27 por cento na Grécia e em Espanha ou aos 18 poro cento em Portugal. Entre os jovens até aos 25 anos estes números disparam para os 63 por cento na Grécia, 56 por cento em Espanha, 43 por cento em Portugal e 41 por cento em Itália.
O trabalho a tempo parcial – situação em que se encontram mais de 30 por cento das mulheres trabalhadoras na UE – subiu em 2012 e atinge os 19 por cento, quase um quinto da população empregada. Em países como Portugal, a Espanha ou a Polónia, pelo menos um em cada quatro trabalhadores tinha um contrato a prazo.
As condições de vida, medidas pelo rendimento mediano disponível das famílias, regrediram na maioria dos estados-membros. As quebras mais acentuadas verificaram-se na Grécia, na Bulgária, na Letónia, em Espanha e em Portugal.
O primeiro trimestre de 2013 trouxe novas quebras nos custos unitários do trabalho. Eslovénia, Espanha, Chipre e Portugal foram os países onde essa quebra foi mais acentuada em termos percentuais. Em Portugal, os salários estão em queda há oito trimestres consecutivos.
A pobreza, nas suas diferentes expressões, cresce na UE. Em 2011, cerca de 120 milhões de pessoas estavam em risco de pobreza ou exclusão social, ou seja, 24 por cento da população da UE. Desde então, os cortes nas transferências sociais que contribuíam para mitigar este risco terão agravado a situação.
Perante este cenário, são de esperar novas operações de mistificação à medida que nos aproximamos das eleições. A maior delas será a tentativa de as converter na eleição de um suposto governo europeu ou, pelo menos, do seu presidente. Voltaremos muito provavelmente a este assunto...